quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Caminhando com Rousseau - e bem longe dele

Carmem Toledo

O título deste blog se deve a um hábito bastante conhecido de nosso filósofo inspirador, Jean-Jacques Rousseau: as caminhadas solitárias em meio à natureza, longe do burburinho da cidade e da corrupção que se vê na sociedade. Também se trata de uma referência a uma das obras que tanto transparecia seu pensamento e estado de espírito por entre as linhas: "Os Devaneios do Caminhante Solitário", texto escrito em 1776 e publicado postumamente, entre 1779 e 1789.


Os passeios pelos campos proporcionavam ao pensador a inspiração necessária para que suas ideias se convertessem em palavras e chegassem até nós. Durante o século XVIII, o hábito se difundiu entre outras pessoas e, logo, caminhar por bosques e lugares onde a natureza predominava seria considerada uma grande fonte de serenidade - até mesmo entre homens bastante sociáveis, que perceberam logo as vantagens de "devanear" pelos campos e então, aplicar seus pensamentos em uma vida nada solitária.

O historiador Voltaire Schilling, em seu recente artigo publicado no portal Terra Educação, fala sobre este "novo costume" entre homens que se tornariam nomes importantes na política mundial. Segundo ele, foi durante um desses passeios em meio à natureza que Thomas Jefferson e seu amigo James Madison, sob o pretexto de estudar uma planta (reparem na ironia: Rousseau era um grande estudioso de Botânica!), planejaram uma ofensiva política dos republicanos contra o líder dos federalistas Alexander Hamilton - que era favorável à Monarquia. E as caminhadas de Jefferson não pararam por aí: Em uma carta à sua filha Martha, aquele que se tornaria um dos memoráveis presidentes dos Estados Unidos da América e principal autor da declaração de independência daquele país descreveu seu sublime passeio pelo Rio Hudson, ao mesmo tempo que planejava com Madison a necessidade de apoio ao poeta Philip Freneau, que pretendia lançar um jornal com o intuito de enfrentar os simpatizantes das ideias monárquicas de Hamilton.

Freneau é conhecido como o "Poeta da Revolução Americana". Além de poeta, era capitão da Marinha e filho de huguenotes (protestantes franceses). Mais tarde, tornaria sua vida mais "rural" e escreveria obras de cunho político e natural.

Hamilton desejava uma nação industrializada, mas com presidência e senado vitalícios, como a Câmara dos Lordes da Inglaterra. Segundo Schilling, em uma análise sobre as anotações de Hamilton, "Era dos que acreditam que o crescimento econômico surgia enchendo o bolso dos ricos que, saciados, jogariam então alguma coisa para os pobres poderem progredirem."

Jefferson, ao contrário, repudiava as instituições europeias de fundo aristocrático e absolutista. Era a favor da escolha democrática feita pelo homem comum, trabalhador do campo.

E foi a partir desses dois nomes que surgiram as duas tendências políticas dominantes dos Estados Unidos, de acordo com a análise de Voltaire Schilling: O Partido Democrata e o Partido Republicano. Hoje, vemos que os Estados Unidos se tornaram uma grande potência industrial - como queria Hamilton -, mas também uma democracia bastante estável - como desejava Jefferson. No entanto, eles falharam em alguns anseios: não há trono, tampouco uma sociedade puramente agrária.

Achei bastante interessante a referência a Jean-Jacques Rousseau feita por Schilling no início do texto e quis explorá-la um pouco mais aqui, já que este blog é dedicado ao filósofo e, como já foi dito, traz em seu título um hábito e uma obra bastante memoráveis de nosso pensador genebrino: as caminhadas solitárias em meio à natureza. Na verdade, creio que o historiador tenha intencionado mencionar os passeios "naturais" como costumes que resultaram em planejamentos e decisões políticas importantíssimas, que fizeram com que a grande potência mundial que conhecemos hoje se tornasse o que é politicamente. No entanto, quero aproveitar o artigo de Voltaire Schilling para lançar uma provocação - talvez, com um pouco de "devaneios" exagerados de minha parte:

Rousseau caminhava solitariamente, por se sentir mais seguro e tranquilo longe dos tormentos da sociedade corrompida, das festas e seus burburinhos insuportáveis, do falatório interminável de quem "nada tinha a dizer", da falsidade, enfim, de tudo que fazia das cidades lugares extremamente difíceis para ele. Em seus passeios, devaneava, imaginando hipóteses como aquelas que podemos ler em sua obra. Afastando-se da corte, da sociedade e dos homens da cidade, Rousseau acreditava se proteger da corrupção (apesar de ser mais um corrompido - e seu sofrimento era uma prova disso, mas esta é uma outra história). No entanto, quando o homem europeu do XVIII se deixa levar pelos passeios ao ar livre, as flores, plantas e lagos já não lhe figuram como a nosso Jean-Jacques. A grama passava a ser pisada por homens já bastante "sociais", das classes superiores, contaminados pela falta do "Bilboquê" (ler "As Confissões de Jean-Jacques Rousseau"). E se não tivesse acontecido desta forma? Teríamos a potência mundial que tanto nos atrai e assusta? Certamente, tentar imaginar hipóteses tomaria tempo e nos sujeitaria a muitos erros de interpretação e de análise, uma vez que estamos falando de algo que não se restringe a uma única nação, mas à História da Política Mundial. Para falarmos do homem político, teríamos que recorrer a outros filósofos - um dos primeiros deles, Aristóteles - e pisar com cuidado nesse terreno que não é nada previsível (tivemos uma pequena amostra disso nestas últimas eleições norte-americanas), justamente por ser humano (demasiado humano).

Carmem Toledo
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