A mais recente edição dos Cadernos de Filosofia Alemã (publicação do Departamento de Filosofia da USP) trata, especialmente, da obra de Jean-Jacques Rousseau. São nove artigos elaborados a partir de apresentações realizadas durante o Colóquio Rousseau, ocorrido em 2015 na Universidade Federal de São Carlos. Neles, são analisadas sua filosofia e a influência de suas ideias nos conceitos formulados por outros filósofos, além de confrontá-las com outras teorias. Nesta postagem, discorro brevemente sobre aspectos gerais desses artigos e abordo algumas questões concernentes ao pensador genebrino.
O caráter autobiográfico e a utilização desse estilo como defesa da obra em geral de Rousseau é algo convenientemente abordado na presente edição dos Cadernos. Outro tema eficientemente explorado – e recorrente nas discussões sobre a teoria política contemporânea - são os paradoxos alvitrados pelo filósofo, muitas vezes, interpretados erroneamente como contradições (algo bem lembrado por Ernst Cassirer em “A Questão Jean-Jacques Rousseau”).
A formulação de Rousseau propõe um modelo de estado da natureza – ressaltado por ele próprio como hipotética. Para ele, no entanto, as relações sociais não têm significado forçosamente negativo, como se é tentado a pensar em uma primeira leitura. De fato, avaliando o conjunto da obra, vemos a coesão de suas ideias, sem necessariamente encontrar o rigor de um sistema filosófico ou uma teoria social normativa, já que sua proposta é apenas especulativa. O estado de natureza reforçado como puramente hipotético é um apoio para o desenvolvimento de seu pensamento e para a construção de sua filosofia política – ao contrário do que muitos leitores de sua época (incluindo Voltaire) entenderam, Rousseau não impõe uma “solução” para a humanidade.
Primeiro, trata-se de considerar a noção de homem natural como parâmetro de julgamento e como referência para a elaboração de uma crítica à sociedade de seu tempo. Segundo, como bem observou Inara Marin no primeiro artigo da edição aqui abordada, Rousseau afirma, com radicalidade, o caráter hipotético de seu modelo, desqualificando qualquer fundamento legítimo que pretenda pensar as sociedades como mero agrupamento de indivíduos. Com base neste discernimento, o pensador genebrino se diferencia e critica definições do estado de natureza elaboradas por outros pensadores, afastando-se de suas ideias principalmente pelo aspecto potencial do homem natural, cuja passagem para a história real, do ponto de vista rousseauísta, é inexistente.
O que o suíço coloca é que a razão não é a solução para todos os problemas da sociedade e que esta não é um mero agregado de indivíduos que passaram do estado natural ao social sem qualquer ruptura. Isso o diferencia de outros pensadores modernos e ajuda a entender por que “só começamos propriamente a nos tornar homens depois de termos sido cidadãos”, já que é a ordem social que nos dá meios para elaborarmos nossas ideias e a chave para compreendermos a própria sociedade. Assim, Rousseau não formula uma teoria como tradicionalmente concebida, mas uma dúvida que serve de parâmetro para a elaboração de todo teor crítico de sua obra através de um encadeamento histórico plausível para entender a origem da desigualdade.
Enfim, creio que a atual edição dos Cadernos de Filosofia Alemã seja mais uma oportunidade de conhecermos as várias faces deste homem plural, que deixou um rico legado na filosofia, na literatura, nas artes e na legislação. Vale a pena ler os artigos e se aprofundar na obra de Jean-Jacques Rousseau!
O material pode ser acessado e baixado através deste link: http://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/issue/view/10282
Aqui, no blog “O Caminhante Solitário”, vocês também têm acesso a outras informações e artigos sobre o pensador.
Carmem Toledo