segunda-feira, 21 de abril de 2008

Textos Selecionados

Discurso sobre as Ciências e as Artes


"O sábio de modo algum corre atrás da fortuna, mas não é insensível à glória; quando a vê tão mal distribuída, sua virtude, que um pouco de emulação teria animado e tornado proveitosa à sociedade, cai na indolência e se extingue na miséria e no esquecimento. Eis o que, com o correr do tempo e em todos os lugares, causa a preferência dos talentos agradáveis aos úteis e o que a experiência vem confirmando, à saciedade, desde o renascimento das ciências e das artes. Temos físicos, geômetras, químicos, astrônomos, poetas, músicos, pintores; não temos mais cidadãos ou, se nos restam alguns deles dispersos pelos nossos campos abandonados, lá perecem indigentes e desprezados. Esse o estado a que estão reduzidos, esses os sentimentos que encontram, em nós, aqueles que nos dão o pão e dão o leite a nossos filhos."


(Discurso sobre as Ciências e as Artes, Segunda Parte)


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Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens


"O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer 'isto é meu' e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: 'Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém'"



"Pois é manifestamente contra a lei da natureza, seja qual for a maneira por que a definamos, uma criança mandar num velho, um imbecil conduzir um sábio, ou um punhado de pessoas regurgitar superfluidades enquanto à multidão faminta falta o necessário"


(Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Segunda Parte)


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Júlia ou A Nova Heloísa


"Queres saber qual delas é realmente desejável, a fortuna ou a virtude? pensa naquela que o coração prefere quando sua escolha é imparcial. Pensa aonde nos leva o interesse ao ler a história. Pensaste alguma vez em desejar os tesouros de Creso, ou a glória de César, ou o poder de Nero, ou os prazeres de Heliogábalo? Por que, se eram felizes, teus desejos não te punham no lugar deles? É que não o eram e tu o sentias bem, é que eram vis e desprezíveis e que um mau feliz não atrai a inveja de ninguém. Que homens contemplavas então com maior prazer? Dos quais adoravas os exemplos? A quais terias mais desejado assemelhar-te? Encanto inconcebível da beleza que não perece! era o Ateniense bebendo Cicuta, era Bruto morrendo por seu país, era Régulo em meio aos tormentos, era Catão despedaçando suas entranhas, eram todos esses virtuosos infelizes que te causavam inveja e sentias no fundo de teu corção a felicidade real que seus males aparentes recobriam. (...) Esse divino modelo que cada um de nós traz consigo encanta-nos apesar de tudo: logo que a paixão nos permite vê-lo, queremos nos assemelhar a ele e, se o pior dos homens pudesse ser outra pessoa, gostaria de ser um homem de bem."


(Júlia ou A Nova Heloísa, Segunda Parte)


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Emílio ou Da Educação


"Homens, sede humanos, este é o vosso primeiro dever; sede humanos para todas as condições, para todas as idades, para tudo o que não é alheio ao homem. Para vós, que sabedoria há fora da humanidade? Amai a infância; favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, seu amável instinto. Quem de vós não teve alguma vez saudade dessa época em que o riso está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? Por que quereis retirar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão curto que se lhes foge, e de um bem tão precioso, de que não poderiam abusar? Por que quereis encher de amargura e de dores esses primeiros anos tão velozes, que não mais voltarão para eles, assim como não voltarão para vós? Não fabriqueis remorsos para vós mesmos retirando os poucos instantes que a natureza lhes dá. Assim que eles puderem sentir o prazer de existir, fazei com que o gozem; fazei com que, a qualquer hora que Deus os chamar, não morram sem ter saboreado a vida."


(Emílio ou Da Educação, Livro II)


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As Confissões


"quando frequentava a sociedade, sempre tinha que trazer no bolso um bilboquê e ficava jogando todo o tempo para dispensar-me de falar quando nada tinha a dizer. Se todos fizessem o mesmo, os homens seriam menos maus, seu trato seria mais seguro e, penso, mais agradável. Enfim que os engraçados riam se quiserem, mas sustento que a única moral à altura do século presente é a moral do bilboquê."


(As Confissões, Livro V)


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Os devaneios do caminhante solitário


"Tudo na terra está em um fluxo contínuo: nada mantém uma forma constante e fixa, e nossas afeições, que se apegam às coisas externas, necessariamente passam e mudam como elas. Sempre à frente ou atrás de nós, elas lembram o passado que não é mais ou prevêem o futuro que muitas vezes não deve acontecer: não existe nada sólido a que o coração possa se apegar. Assim, neste mundo só conhecemos o prazer que passa; a felicidade que dura, duvido que seja conhecida. Mal existe, em nossos mais vivos prazeres, um instante em que o coração possa de fato dizer: 'Eu gostaria que esse instante durasse para sempre'. E como chamar de felicidade um estado fugidio que nos deixa o coração inquieto e vazio, que nos faz sentir falta de algo antes ou desejar ainda algo depois?"


(Os devaneios do caminhante solitário, Quinta caminhada)


"A felicidade é um estado permanente que não parece feito para o homem neste mundo. Tudo na terra está em um fluxo contínuo que não permite a nada assumir uma forma constante. Tudo muda à nossa volta. Nós mesmos mudamos, e ninguém pode garantir que amará amanhã aquilo que ama hoje. Assim, todos os nossos projetos de felicidade nessa vida são ilusões. Aproveitemos o contentamento do espírito quando ele ocorre; evitemos afastá-lo por erro nosso, mas não façamos projetos para acorrentá-lo, pois tais projetos são puras tolices"


(idem, Nona caminhada)



Autoria

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